A arte de (bem) poupar
Desde sempre me lembro de ouvir os meus pais dizerem que o dinheiro é para ser poupado. Na realidade, mais o meu pai que a minha mãe já que chega a rasar a avareza. Sabendo a vida (e os tantos obstáculos) que tiveram, sou incapaz de julgar esta política de poupança com que fomos educadas (eu e a minha irmã). O dinheiro nunca foi muito e era preciso precaver situações futuras e construir um pé-de-meia para qualquer eventualidade. A "política de poupança" que falo sempre foi muito abrangente e levada muito a sério. Tão a sério que, quando se ouviu falar da crise e de poupanças em luz, água e gás, não me fez qualquer confusão já que cá em casa, tinha sido sempre assim! Nunca foram extremistas e não nos vedaram o acesso ao que quer que fosse, apenas nos explicaram que da poupança vem alguma estabilidade para os dias mais difíceis. E sempre da forma mais pedagógica. Explicavam-nos que a luz não devia ficar acesa se não estavamos no quarto, por exemplo. Enquanto lavamos os dentes, a água deve estar fechada (falha grave de poupança: não usamos copinho durante a lavagem). E, outro aspeto marcante para mim, a poupança dos alimentos. E não, não pensem que os meus pais não nos alimentavam em condições! Sempre houve cerelac às toneladas, chocapic's, estrelitas, nestum (só porcarias mas que se vendiam na altura e continuam a vender como a melhor coisa do mundo) mas também muita fruta e legumes, carne caseira e peixe com que eu fazia questão de embirrar dia após dia. Quando falo na poupança de alimentos, falo no seu não desperdício. Se sobrou comida de alguma refeição, então ela terá de ser ingerida nem que um esteja a comer feijão frade com ovo, outro carne assada com arroz e outro bacalhau com batatas. Poupar também é isto e confesso que me faz muita confusão estragar alimentos. Mas não pensem que fica por aqui, quando digo que poupamos em tudo cá em casa, o supermercado nunca ficou de fora. Desde sempre fizemos conta às promoções, comparamos preços e compramos somente o que é necesssário (aqueles truques de não ir às compras com fome para não ser levado pelo diabo da gula sempre foi lei cá em casa). E agradeço aos meus pais por sempre ter sido assim. De facto, o dinheiro é mesmo de quem o poupa e não tanto de quem o ganha. Só que isto deixa-me algumas vezes num dilema entre comprar alguma coisa que quero e fechar a carteira para poupar aquele dinheiro. A forma como trabalho não ajuda muito: recibos verdes, trabalho instável, impostos sem fim e zero garantias de futuro, o que ainda reforça mais os meus receios em gastar este ou aquele euro. Depois há os projetos de futuro. Para estudar, é necessário ter rendimentos que garantam o pagamento de todos os encargos durante uma série de tempo o que não é fácil para quem não sabe quantas horas trabalha neste mês...e no seguinte.
Este ano, bem no início, ainda ponderei ir de férias para um sítio qualquer. Com o decorrer do ano e a proximidade do casamento, a ideia começou a ficar mais ténue até que a eliminei por completo: pensei nos tais projetos, pensei no tal pé-de-meia e pensei nos meses futuros. Foi-se! Férias fora talvez no próximo ano. E digo talvez pois vai depender da situação ecómica e laboral do momento. Há quem diga que se pretendo fazer algo devo logo colocar dinheiro de parte e agendar as coisas com tempo mas já me conheço e sei que se fosse de férias e depois tivesse algum "aperto" iria ficar com esse peso na consciência. Às vezes penso nisto e comparo a vida com colegas e amigos que fazem férias em sítios paradisíacos, jantam fora todos os fins-de-semana e vestem sempre do bom e do melhor. E não os censuro por isso. Cada um faz o que entende do dinheiro. Leva-me é a pensar naquilo que é importante: no que estarei a perder por não viajar, por não conhecer este ou aquele restaurante ou se estou a construir efetivamente alguma almofada que me possa apoiar no futuro. Estarei a ser demasiado exigente ou ponderada? Estou a perder a minha juventude ou a precaver calafrios no futuro?